segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Fim

- Gosto desses diálogos.
- Quais?
- Esse que nós estamos tendo, por exemplo. Não tem narrador. Não gosto de narrador. Principalmente aqueles oniscientes. Acham que sabem de tudo.
E Alfonseca respondeu com um profundo tom de reprovação, embora soubesse que Josias tinha toda razão:
- São mentirosos.
Josias, diante da situação, desatou a chorar. Não acreditava que um amigo de tão longa data teria a audácia de, em um momento tão delicado, lhe ferir com tais palavras.
- Além disso, narradores são intrometidos.
Diante do sofrimento de Josias, Alfonseca, com um ar de repugnância ao ver a decadência de seu amigo, virou-lhe as costas e se dirigiu à saída.
Josias naquele momento percebeu que sua vida nada mais valia, e antes de arrancá-la de sí próprio, através de um impulso desesperado, apunhalou seu não mais amigo pelas costas.
Naquela noite, dois traidores morreram.
- E tem aqueles que nem sabem narrar.
Fim.
- Aí já acho que o problema é com o escritor.
- Ah, sim. Claro... O escritor.
- Não sei se quem diz "Fim." é o escritor ou o narrador. Talvez seja o editor.
- Se fosse o escritor, provavelmente nosso diálogo já deveria ter se acabado.
- Verdade...
- O narrador está muito quieto.
- E por falar nisso, eu sou o Josias, ele é o Alfonseca. O narrador confundiu tudo.
- Fim.
E assim terminou a história dos dois castores que acharam que venceram o narrador.